INTRODUÇÃO AO PENSAMENTO SISTÊMICO

26/02/2012

Juares Soares Costa

 Vamos começar nossas reflexões sobre o Pensamento Sistêmico, com a discussão da noção de paradigma. Esta é uma palavra muito usada atualmente, com significados variados. Com certeza você já escutou alguém dizendo:

– Nossa empresa estabeleceu um novo paradigma na relação com os clientes.

– Este é nosso paradigma no campo da administração.

– Temos que nos adaptar aos novos paradigmas de comportamento para o século XXI.

Será que todos estão usando a palavra com o mesmo significado? Provavelmente não. Vamos ver por que.

Em seu livro, “Pensamento Sistêmico, o Novo Paradigma da Ciência”, Maria José Esteves de Vasconcellos nos propõe um exercício curioso. Sugere que em tarjetas de papel, escrevamos partes de ditados populares. Por Exemplo: “Quem semeia vento…, Em casa de ferreiro…, Quem com ferro fere…., e assim por diante. Em igual número de tarjetas, vamos escrever a complementação dos ditados, mas fazendo alterações. Em vez de “ Colhe tempestade, ou “O espeto é de pau”, vamos escrever frases diferentes. “Quem semeia vento… Fica resfriado”, “Em casa de ferreiro… o churrasco é na grelha”. E assim por diante até completarmos todos os ditados.

Em seguida distribuímos aleatoriamente as tarjetas com as metades dos ditados para um grupo de pessoas, que deverão circular pelo espaço em que estão, lendo as frases das outras pessoas, até formarem pares. Nas várias ocasiões em que fizemos este jogo, confirmamos o que diz a autora:

“Você provavelmente verá que aqueles que receberam a primeira parte do provérbio resistirão a aceitar a Segunda parte modificada. Tendo uma expectativa já formada sobre a segunda parte da frase, insistirão em procurar a frase “ “correta”, ou seja, o provérbio conhecido. Os que receberem a Segunda metade da frase não terão expectativas e poderão aceitar prontamente uma articulação com alguma outra frase.

…Poderíamos dizer que as pessoas foram influenciadas por seu “paradigma de provérbios” ou seja, por sua crença sobre a forma “correta daqueles provérbios”. (Vasconcellos, 2002, pg 29)

A palavra paradigma vem do grego parádeigma, e significa padrão, modelo. Em todos os níveis de nossas vidas somos guiados por nossos paradigmas, por nossos padrões a respeito de como deve ser o mundo, de como ele funciona, quais são suas regras. Em cada família, em cada pessoa, há sempre um conjunto de paradigmas, que norteia, e ao mesmo tempo limita nossa forma de viver e pensar.

Em seu livro A Estrutura das Revoluções Científicas (1962), Thomas Khum nos propõe a idéia de um paradigma científico, definido como “uma constelação de realizações – concepções, técnicas, etc…- compartilhada por uma comunidade científica e utilizada por esta comunidade para definir problemas e soluções legítimos” (Khun, 1962). A partir da definição de Khun, Fritjoj Capra introduziu a noção de paradigma social, como sendo “uma constelação de concepções, de valores, de percepções e de práticas compartilhados por uma comunidade, que dá forma a uma visão particular da realidade, a qual constitui a base da maneira como a comunidade se organiza”.(Capra, 1996, pg 24).

Ao longo da história da humanidade, em cada comunidade, em cada povo, houve um paradigma, uma forma de ver o mundo, que predominou, e através do qual as pessoas organizavam seu cotidiano, criavam explicações para os fenômenos da vida e da morte. Outras visões de mundo sempre estiveram, e estão presentes, mas é importante ressaltarmos aqueles paradigmas que ficaram como identificação de cada período da história da humanidade.

Neste trabalho, vamos nos focalizar nos três períodos mais recentes e delimitados da história do mundo ocidental: A Idade Média, a Idade Moderna e o período contemporâneo, muitas vezes chamado de período Pós-Moderno.

Da Antiguidade até o final da idade Média (por volta do final do século XV), predominou o chamado paradigma Religioso. Nesta visão de Mundo, a Verdade existe em um plano superior, divino.

A divindade está no centro de tudo, e o conhecimento é acessível a poucos que seguirem uma vida norteada pela religiosidade, pela busca de uma espiritualidade. O conhecimento possível era sempre limitado e o método era o aperfeiçoamento pessoal, a ascese, a meditação, a dedicação religiosa.

Conhecer era aproximar-se do plano divino.

O paradigma religioso da idade Média trazia princípios norteadores interessantes, como a vida em comunidades pequenas e coesas, uma interdependência dos fenômenos espirituais e materiais. As necessidades dos indivíduos ficavam abaixo dos interesses da comunidade, buscava-se mais uma compreensão do que um controle do mundo.

Com a mudança de paradigma que ocorre quando passamos para a chamada Idade Moderna, podemos dizer que “junto com a água do banho, jogou-se a criança fora. “Foram aos poucos sendo abandonados muitos destes princípios que eram úteis, especialmente no sentido de ajudar o ser humano a perceber-se como “parte de”, conectado com as pessoas e o mundo. Este é, aliás, o significado inicial da palavra religião, do latim religare, religar-se, reconectar-se. Penso que pode ser a isto que Bateson se referia quando falava “do melhor da religião”.

Antes mundo era pequeno, Por que Terra era grande. Hoje mundo é muito grande, Por que Terra é pequena. Do tamanho da antena parabolicamará…” (G.Gil, 1991). Os versos da canção nos falam do mundo que mudou, que se expandiu. Começou a era das grandes navegações, das grandes descobertas, novos continentes, novos instrumentos científicos em busca de novas verdades. Do final do século XV até o século XX, surgem novos mundos e uma nova visão de mundo. Quando Copérnico, e depois dele Galileu começam a explorar os céus com o recém criado telescópio, dão início a uma revolução, tão grande que até hoje vivemos seus benefícios e suas conseqüências. A terra não é mais o centro do Universo, Deus não está no centro do mundo. Novas explicações e novas leis são criadas, O mundo passa a ser visto como uma máquina perfeita e previsível. O método para conhecer e controlar o mundo passou a ser o método Científico, da observação e dedução de leis, supostamente universal. È como se o mundo fosse uma máquina com um jogos de engrenagens e mecanismos perfeitos

A verdade estava no mundo, regido por leis exatas, matemáticas. Era possível um conhecimento total, acessível a quem estudasse e compreendesse as leis. O método era científico, analítico, que implicava em dividir o todo em suas partes mínimas. Do conhecimento das partes viria a Verdade.

Descartes, um nome que se confunde com o da ciência, em seu Discurso sobre o Método, dividiu o ser humano em duas partes, a mente, res cogitans, a coisa pensante, que não seria objeto da ciência. A mente ficaria com o campo da filosofia, das ciências não exatas, mais tarde da psicologia. O corpo era a res estensa, a coisa extensa, ampla, que podia ser palpada, tocada, estudada, dissecada. Este era o campo da ciência. E esta foi também à base da divisão mente-corpo que tanto limitou e limita nossa compreensão e tratamento do ser humano. O pensamento ou paradigma científico olhava, e ainda olha o mundo através de três conceitos básicos: Simplicidade, Estabilidade e Objetividade.

O conhecimento, a verdade, estariam na coisa simples, isolada, reduzida ás suas menores partes. Pessoas, partes do corpo, células, moléculas, átomos. E seria um conhecimento estável, válido para todas as pessoas em todos os tempos e lugares. O conhecimento seria também objetivo, independe do sujeito, da pessoa que conhece. O observador colocava-se fora do fenômeno observado, supostamente não interferindo com este.

À medida que foi se organizando, o pensamento científico trouxe para a humanidade um progresso sem igual em outras eras da humanidade, ao mesmo tempo em que suas descobertas ajudavam a colocá-lo em xeque. O final do século XIX e a primeira metade do século XX foram ao mesmo tempo o apogeu e o início do questionamento dos paradigmas científicos. A teoria da evolução de Darwin, a Psicanálise de Freud, são exemplos de desenvolvimentos da ciência, que ajudaram a questionar alguns de seus pressupostos. Mas foi no campo da Física, que se confunde com a própria noção de ciência, que os pressupostos da simplicidade, da objetividade e estabilidade começaram a ser questionados e derrubados.

À medida que partículas cada vez menores foram sendo estudadas, não se chegou à verdade absoluta, mas a um nível de complexidade, instabilidade e subjetividade.

“Muitos destes paradoxos estavam ligados à natureza dual da matéria subatômica, que surge às vezes como partículas, às vezes como ondas: Os elétrons, costumavam dizer os físicos naqueles dias, são partículas ás segundas e quartasfeiras, e ondas às terças e quintas….. O princípio de indeterminação mede o grau em que o cientista influencia as propriedades dos objetos observados pelo próprio processo de mensuração. Os cientistas já não podem exercer o papel de observadores objetivos e imparciais; eles estão envolvidos no mundo que observam, e o princípio de Heinsenberg mede este envolvimento. …é uma medida de quanto o universo é uno e inter-relacionado. Nos anos 20, os físicos, liderados por Heisenberg e Bohr, constataram que o mundo não é uma coleção de objetos distintos; pelo contrário, ele parece uma teia de relações entre as diversas partes de um todo unificado.” (Capra,1988,pg14).

Não é só na física que os conceitos foram mudando. A biologia começou a estudar as relações e inter-conexões entre os seres vivos, e noções como meio ambiente, habitat, passaram a fazer parte do arcabouço de uma visão mais tarde conhecida como ecológica. ”A percepção ecológica profunda reconhece a interdependência fundamental de todos os fenômenos, e o fato de que, enquanto indivíduos e sociedades, estamos todos encaixados nos processos cíclicos da natureza.”(Capra, 1996, pg 25). A antropologia já não se satisfazia com uma observação científica de relatos de viajantes, ou com o estudo de pessoas extraídas de seu contexto. As pesquisas de campo trazem novas luzes e questionamentos. O que deve ser observado? Assim como na Física quântica, perceberam que o antropólogo interferia com o fenômeno observado, e que a relação interpessoal, e não o indivíduo isolado deveria ser a unidade de estudo. Em vários campos cresceu o interesse por temas como comunicação, retroalimentação. Começam a se organizar conhecimentos, novos conceitos, que mais tarde se agruparão em torno da Cibernética (Ciência do controle e da comunicação nos seres vivos e nas máquinas) e da Teoria Geral dos Sistemas, de Von Bertallanfy.

O fim da Segunda Guerra Mundial é hoje visto como o marco do fim da Modernidade e o começo de um novo período, que ainda estamos vivendo, que na falta de um nome melhor, tem sido chamado de Pós-Modernidade. A explosão das bombas atômicas em Hiroshima e Nagasaki representaram ao mesmo temo o apogeu e o início do declínio da crença na Ciência como sendo o caminho pra a redenção e o bem-estar da humanidade. Os cientistas que criaram a bomba atômica ignoravam (ou ignoraram?) as consequências sistêmicas, ecológicas da radiação. Mas desde então, não foi mais possível ignorar, ou negar, que há uma ligação em tudo, como escreveu, quase um século antes, o chefe indígena de Seattle em sua carta ao presidente americano de então. Da Simplicidade entramos na era da Complexidade; da Estabilidade para e Instabilidade, e da Objetividade para a Intersubjetividade.

“O Modernismo está relacionado a uma tradição filosófica ocidental que entende o conhecimento como objetivo e fixo. Conhecedor e conhecimento são independentes, e a linguagem é a representação da verdade objetiva e da realidade. Pós-modernismo é um termo amplo que se refere não somente a uma época, mas também a uma perspectiva filosófica, que inclui uma crítica ideológica dos fundamentos do pensamento literário, político e social…ele questiona aquilo que é tido como certo e universal, incluindo os discursos dominantes e as práticas culturais – crenças, verdades, leis, instituições sociais….O Pós-modernismo apóia a idéia de que aquele que conhece participa da criação do mundo em que vive, observa e conhece: de que aquilo que é criado e conhecido é somente uma das várias perspectivas e possibilidades; de que aquilo que é conhecido ou que se crê que seja conhecido muda através de interações comunicativas (Anderson, H.1966).

Apesar de não serem sinônimos, o Pensamento Sistêmico situa-se no marco da Pós-Modernidade.

A ciência objetiva ainda costuma dizer que as coisas são. … É interessante lembrarmos que para a Teologia, o verbo Ser é um atributo da Divindade. Só o Deus É, independentemente de tempo, espaço, lugar. A discussão sobre este campo teológico não é nosso objetivo, mas chamamos atenção para o fato de que quando usamos o verbo ser, muitas vezes, sem perceber, estamos atribuindo ao objeto, qualidades e características que remetem a algo essencial, que seria intrínseco ao objeto, em qualquer contexto e sem relação com o sujeito que as refere.

Quando passamos para o referencial do Pensamento Sistêmico, é como se nos dispuséssemos a abandonar o uso do verbo Ser, e começarmos a usar ao verbo ESTAR. Passamos a pensar em termos de contextos, relações, significados que tem validade apenas local. Dizer que uma pessoa é violenta é muito diferente de dizer que uma pessoa está violenta, que se comporta de um modo que alguém chamou de violento. Deixa de ser uma característica da pessoa, para algo que passa a ser descrito em termos de comportamentos, de relações, de um contexto cultural que define tal comportamento como violento. Abrimos espaço para questionarmos como foi que aquela pessoa aprendeu a se comportar daquele modo. Será que ele sempre age do mesmo modo em todos os contextos? Com todas as pessoas? Enfim, ao sairmos da tirania do Ser, da idéia de essência, temos a possibilidade de encontrar novos caminhos para a compreensão e busca de solução para os problemas humanos.

Faça você também o exercício proposto por Gianfranco Cecchin em seu artigo “Exercícios Para Manter Sua Mente Sistêmica” (1991). Escolha uma história de uma situação profissional, e ao relatá-la, não faça uso do verbo Ser. Você verá que ocorrem mudanças. Compare-as com o que descrevemos no quadro abaixo:

A passagem do Paradigma Científico para o Pensamento Sistêmico trás para todos nós uma ampliação, nem sempre fácil de ser entendida e ser vivida. De verdades absolutas e certezas, passamos para um mundo de múltiplos significados e incertezas. De um universo, de uma única versão da história, passamos para os multi-versos. De afirmações, passamos para as perguntas. Os critérios de validação para um conhecimento não estão mais embasados apenas nas leis da ciência, mas se apóiam no diálogo, no consenso, e principalmente na Ética.

Ética vem do grego, ethos, que significa comportamento, atitude, e de óikos, que se refere à morada, o local habitado pelo homem. Pode ser nossa casa, nossa comunidade, nosso país, nosso planeta. A Ética situa-se acima da moral. Moral vem do latim mores, que fala dos costumes. Os costumes são mais locais, temporários, variáveis. A Ética é mais duradoura, permanente, mais abrangente. Por exemplo, mudam os costumes, a moral sexual, mas permanecem valores éticos que falam do respeito á vida humana, ao direito à integridade física de cada pessoa.

“A ética nos possibilita a ousadia de assumir, com responsabilidade, novas posturas, de projetar novos valores, não por modismo, mas como serviço a moradia humana.”(Boff, L. 1997)

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ANDERSON, Harlene “ Uma Reflexão sobre a colaboração Cliente-Profissional” . Family Systems ¨&Health, 14:193-206, 1996 (original em inglês)

BOFF, Leonardo. “A Águia e a Galinha – Uma Metáfora da Condição Humana” Petrópolis RJ- Vozes- 1997

CAPRA, Fritjof (1996) “A Teia da Vida. Uma compreensão científica dos sistemas vivos”.São Paulo: Cultrix  (1988), “Sabedoria Incomum. Conversas com pessoas notáveis”.São Paulo: Cultrix, 1987

VASCONCELOS, Maria José Esteves de. “ Pensamento Sistêmico – O Novo Paradigma da Ciência”, Campinas, SP: Papirus, 2002


CONSIDERAÇÕES SOBRE O PENSAMENTO CLÁSSICO E O PENSAMENTO SISTÊMICO

17/02/2011

  PENSAMENTO CLÁSSICO                        PENSAMENTO SISTÊMICO 

– Pressuposto da simplicidade                      – Pressuposto da complexidade

– Pressuposto da estabilidade                       – Pressuposto da instabilidade

– Pressuposto da objetividade                       – Pressuposto da intersubjetividade

PRESSUPOSTOS DO PENSAMENTO CLÁSSICO

O pressuposto da  simplicidade

Este pressuposto crê que separando-se o mundo complexo em partes encontram-se elementos simples. É preciso separar as partes para entender o todo, ou seja, o pressuposto de que “o microscópico é simples”. Daí decorrem, entre outras coisas, a atitude de análise e a busca de relações causais lineares. 

Este pressuposto tira o objeto de estudo dos seus contextos, prejudicando a compreensão das relações entre o objeto e o todo. Faz parte dessa perspectiva também a atitude “ou-ou”, que de acordo com a lógica, classifica os objetos, não permitindo que um mesmo objeto pertença a duas categorias diferentes. Além disso, esse pressuposto provoca a compartimentalização do saber, fragmentando o conhecimento em diferentes disciplinas científicas…

O pressuposto da estabilidade

 É a crença de que o mundo é estável, ou seja, em que o “mundo já é”.

Ligados a esse pressuposto estão a crença na determinação – com a consequente previsibilidade dos fenômenos – e a crença na reversibilidade – com a consequente controlabilidade dos fenômenos.

Este pressuposto leva o cientista a estudar os fenômenos em laboratório, onde pode variar os fatores um de cada vez, exercendo controle sobre as outras variáveis. Assim, ele provoca a natureza para que explicite, sem ambiguidade, as leis a que está submetida, confirmando ou não suas hipóteses. Ao levar o fenômeno para laboratório, excluindo o contexto e a complexidade, focalizando apenas o fenômeno que estava acontecendo, ele exclui a sua história.

Faz parte desse paradigma o pressuposto da previsibilidade: o que não é previsto com segurança é associado a um conhecimento imperfeito, o que leva a uma redução ainda maior do conhecimento por meio do pressuposto da simplicidade. Por conseguinte, a instabilidade de um sistema é visto como um desvio a corrigir.

O pressuposto da objetividade

Ele estabelece a crença em que “é possível conhecer objetivamente o mundo tal como ele é na realidade” e a exigência da objetividade como critério de cientificidade. Daí decorrem os esforços para colocar entre parênteses a subjetividade do cientista, para atingir o universo, ou versão única do conhecimento.

Com este pressuposto o cientista posiciona-se “fora da natureza”, em posição privilegiada, com uma visão abrangente, procurando discriminar o objetivo do ilusório (suas próprias opiniões ou subjetividade). Advém daí a crença no realismo do universo: o mundo e o que nele acontece é real e existe independente de quem o descreve. Com isso obtemos várias representações da realidade, que ajudaria a descobri-la. E o critério de certeza advém daquelas observações conjuntas e reproduzíveis, onde, coincidindo os registros de observações independentes, mais confiáveis e objetivas são as afirmações. A estatística encontra aí um bom campo de atuação.

Resumindo: a ciência tradicional procura simplificar o universo (dimensão da simplicidade) para conhecê-lo ou saber como funciona (dimensão da estabilidade), tal como ele é na realidade (dimensão objetividade).

PRESSUPOSTOS DO PENSAMENTO SISTÊMICO

O pressuposto da complexidade (em contraposição ao pressuposto da simplicidade)

Reconhece que a simplificação obscurece as inter-relações dos fenômenos do universo e de que é imprescindível ver e lidar com a complexidade do mundo em todos os seus níveis. Um exemplo de uma descrição baseada nesse pressuposto é a Sincronicidade, que prevê outras relações, que não são causais, para os eventos do universo. Além disso, a psicologia analítica lida de modo sistêmico com a psique, daí seu homônimo: psicologia complexa, ou profunda.

Um erro comum é imaginar que podemos resolver “todos” os problemas dividindo-os em partes e observando o que está falhando. Isto pode nos distanciar das relações entre as partes onde pode residir a real causa ou fatores que contribuem para o problema. Um raciocínio convencional (reducionista) é reduzir o problema a “isto” ou “aquilo”, enquanto o pensamento sistêmico define “isto e aquilo” A. Einstein 

 

O pressuposto da instabilidade (em contraposição ao pressuposto da estabilidade)

Reconhece que o mundo está em processo de tornar-se, advindo daí a consideração da indeterminação, com a consequente imprevisibilidade, irreversibilidade e incontrolabilidade dos fenômenos. A abordagem orgânica, a homeostase psíquica, e a noção de inconsciente (o que inclui a freudiana), com os seus componentes arquetípicos e complexos são exemplos de abordagem sistêmica da psicologia analítica.

O pressuposto da intersubjetividade (em contraposição ao pressuposto da objetividade)

Reconhece que não existe uma realidade independente de um observador e que o conhecimento científico é uma construção social, em espaços consensuais, por diferentes sujeitos/observadores. Então o cientista trabalha com múltiplas versões da realidade, em diferentes domínios linguísticos de explicações. Os tipos psicológicos junguianos são o que há de mais inovador nesse sentido, tendo inclusive reconhecimento científico tradicional na detecção dos tipos de personalidade.

Para o pensamento sistêmico, não existe uma realidade independente do observador.

Trata-se de uma epistemologia que traz definitivamente, para o âmbito da ciência, o observador, o sujeito do conhecimento.

IMPLICAÇÕES DO PENSAMENTO SISTÊMICO NA TERAPIA DE CASAL E/OU FAMÍLIA [1]

No atendimento sistêmico à família o profissional, ao atender seu cliente, passa a vê-lo como um membro integrante de um sistema familiar, colaborando e sofrendo a ação deste sistema. O profissional passa também a se ver, a partir deste momento, como parte integrante do sistema de atendimento que se está constituindo.

A partir deste momento o terapeuta buscará compreender toda a rede de relacionamentos que mantêm este sistema, as suas relações sociais com a comunidade, as relações do seu cliente com o sistema a que pertence, e as relações de seu cliente e ele (terapeuta). Deve buscar compreender também como todos estes membros do sistema (incluindo o próprio terapeuta) participam na manutenção e/ou na solução do problema que está sendo abordado.

O terapeuta continuará a exercer a prática para qual foi preparado em sua graduação ou pós-graduação, mas ampliando o foco de visão e de ação, buscando criar um contexto no qual todos os envolvidos com o problema possam co-construir sua solução.

O trabalho com famílias em uma visão sistêmica deve buscar usar recursos técnicos terapêuticos que se harmonizem com este tipo de visão do contexto sistêmico onde aparecem os problemas e onde se co-constroi uma solução.

Dentre os recursos técnicos terapêuticos disponíveis utilizamos com freqüência aqueles oferecidos pelo Psicodrama. Todas as técnicas e conceitos do Psicodrama se encaixam harmonicamente com a visão sistêmica nos processos terapêuticos seja na terapia individual, na terapia de casal e na terapia familiar.

As técnicas do Psicodrama, além de permitirem ao casal e/ou família falar de seus problemas e de como funciona seus sistemas familiares, passam também a vivenciar – como ATOR e como OBSERVADOR – as diferentes configurações destes sistemas e experimentar maneiras novas de se relacionar.

 

[1] Resumo aqui alguns conceitos que podem mais aprofundados no livro Atendimento Sistêmico de Famílias e Redes Sócias, de Juliana Gontijo Aun, Maria José Esteves de Vasconcelos e Sônia Vieira Coelho, Ed. Ophicina de Arte & Prosa, pags. 62 a 67.



ENFOQUE SISTÊMICO 2

27/02/2010

….de uma família empresária

Maria Lúcia M. Coelho e Sérgio Rodrigues

 Introdução

 

Introdução

Onde adquirimos nossas primeiras experiências do que seja uma vida em uma organização? Acho intuitivo que estas experiências se desenvolvem na nossa vida familiar. É neste convívio que aprendemos as lições e as habilidades de comunicação, de planejamento de tomada de decisão, de administração de conflitos, entre tantas habilidades. Desde nossas primeiras percepções vamos construindo nosso Conceito de Identidade, nossa visão do mundo e nossos mais enraizados paradigmas.

 

O Conceito de Identidade é o produto das vivências de uma pessoa com as vinculações entre os seus climas afetivos internos com as pessoas e conceitos (religiosos, filosóficos, políticos sociais, etc) e que estabelece uma noção de entendimento em relação a si mesma, aos outros e ao próprio mundo. O Conceito de Identidade é como a pessoa acha que é, e como ela acha que os outros são, e vai evoluindo de acordo com a idade e com as vivências que vão ocorrendo na vida desta pessoa. [1]

 

Este sistema familiar onde iniciamos a nos expor ao relacionamento interpessoal e de grupo influenciará o modo como mais tarde regiremos nos cenários organizacionais.

***************

 

A interação entre membros da família que comandam as suas empresas apresenta, muitas vezes, aspectos de influência recíproca. Não somente quem comanda uma empresa familiar transfere seus valores e experiências, através de metas, de interações na organização e de atitudes, mas acaba se vendo submetido ao fluxo reverso.

 

As relações organizacionais entre pais e filhos produzem intensas interações familiares. Os papéis familiares e profissionais de “pais e filhos” são papéis que pertencem a sistemas diferentes – familiar e empresarial – com objetivos que em alguns momentos podem ser conflitantes. Mas eles se misturam, eles se influenciam.

 

São dois sistemas – o familiar e o empresarial – que interagem através de retroalimentações positivas ou negativas. Pais querem o sucesso da empresa que construíram, mas vêem como sua maior responsabilidade o desenvolvimento de filhos que se sintam bem consigo mesmos. Isto faz parte dos valores do Conceito de Identidade de um pai empresário além de muitas vezes verem nos filhos o reflexo de si próprios e de suas realizações.

 

Por outro lado os filhos crescem e percebem a importância da empresa para seus pais e isto pode ser interpretado como o campo ideal para disputar o reconhecimento e a afeição dos pais. Pode servir também para reparar feridas e relações familiares problemáticas…

 

 

Aliás, talvez seja mais fácil competir com familiares mais poderosos na esfera organizacional, onde o desempenho nos negócios passa a ser a medida do sucesso, do que nas atividades domésticas[2].

 

Mas antes acho que devemos resumir alguns conceitos fundamentais sobre a teoria dos sistemas para quem deseja compreender a interação entre estes dois sistemas e suas dinâmicas.

 

No texto Enfoque Sistêmico 1, já fizemos uma introdução à Visão Sistêmica e agora entraremos maneira sintética em alguns conceitos ligados à teoria dos sistemas e que estão sempre presentes quando trabalhamos com famílias e com todas estas dinâmicas envolvidas nas empresas familiares.

 

A teoria dos sistemas tomou corpo nos anos ’50, através de Ludwig von Bertalanffy, Anatol Rapoport, Kenneth Boulding, Margaret Mead, Gregory Bateson e outros. Esta teoria reúne princípios e conceitos teóricos oriundos da filosofia da ciência, da física, da biologia e da engenharia. Hoje encontramos a utilização desta abordagem em quase todas as ciências. É muito usada em sociologia, em teoria organizacional, em economia, em saúde pública e na psicoterapia, particularmente na terapia dos sistemas familiares.

 

Isto mostra a força deste novo enfoque científico de ver a vida, mas por outro lado a popularização do termo “sistema” pode induzir à distorções no sentido de sua utilização.

 

Num linguajar menos técnico o sentido buscado é o da existência de interdependência nas relações. Com isto reforça-se – consciente ou inconscientemente – que a visão do todo contem propriedades que não podemos encontrar nos elementos que os constituem.

 

Uma importante característica dos sistemas é a chamada homeostase, que é um estado buscado por todos os sistemas de maneira a assegurar um estado de estabilidade. É através de dinâmicas de auto-correção e auto-regulação que os sistemas buscam este estado de estabilidade chamado de homeostase.

 

Uma alteração em uma parte do sistema afetará as demais, que por sua vez afetarão as condições iniciais do sistema. Tanto a alteração como a recuperação, são dinâmicas que buscam recuperar o estado de equilíbrio do sistema através daquilo que se denomina retroalimentação (positiva ou negativa respectivamente).

 

Se na sua fase inicial de experimentação a criança “aprendeu” que o desrespeito a um determinado valor da família gerava uma reação muitas vezes autoritária e intolerante, isto fica registrado como uma dinâmica que busca recuperar o “bom funcionamento do sistema” (retroalimentação).

 

Quando esta criança for adulta e se relacionar profissionalmente terá como paradigma o conceito de recuperar a estabilidade do sistema, se um valor do seu Conceito de Identidade tiver sido violado, usando a mesma dinâmica que aprendeu como adequada para obter este objetivo. Foi uma dinâmica de um sistema familiar que se manifestou adequada ou inadequadamente no sistema empresarial.

 

O terapeuta de casal, de família e de família empresária identifica muito bem estas dinâmicas em suas aplicações.

 

No texto Enfoque Sistêmico 1 nós vimos o que caracteriza um sistema relacional humano. Vimos também que os atributos são os seus comportamentos de comunicação. Se um sistema relacional é formado pela interação de seus componentes ele é melhor compreendido quando não falamos de indivíduos, mas de pessoas que se comunicam com outras pessoas.

 

Esta foi a grande contribuição de Bateson para o processo terapêutico de casais e famílias, tirando o foco restritivo da pessoa e privilegiando os padrões gerais de comunicação sobre os desejos e fantasias particulares dos indivíduos. Para ele a comunicação significava formas e regras de interação entre emissor e receptor. Ele considerava a comunicação não apenas em seu conteúdo semântico, mas especificamente em seu aspecto pragmático da relação interpessoal. Posteriormente Paul Watzlacwik e seus colaboradores formalizaram esta teoria no trabalho “Pragmática da Comunicação Humana”.

 

Neste segundo texto destacamos alguns aspectos pragmáticos do processo de comunicação, tanto na sua conceituação como através de pequenos exemplos de sua aplicação, seja no sistema familiar como no empresarial.

 

Acho interessante diferenciar o que estamos destacando como conseqüências comportamentais do processo de comunicação em um sistema relacional.

 

O estudo da comunicação humana pode ser agrupado em 3 áreas: a da sintaxe, a da semântica e a da pragmática.

 

Os aspectos da sintaxe e da semântica são responsáveis pela transmissão da informação. A comunicação vista pela sua capacidade de provocar ou influenciar comportamentos é o objeto de estudo do que foi denominado como aspecto pragmático da comunicação.

 

Finalmente, nunca é demais reforçar que isto é uma síntese e que aos que se interessarem em aplicar estes conceitos é interessante buscar uma formação especializada além do aprofundamento através da leitura de livros que vamos sugerindo.

 


[1] Dias, Victor R.C.S., ANÁLISE PSICODRAMÁTICA – Teoria da Progressão Cenestésica, Editora Agora, 1994, pg 42

[2] Kay K., When a family business is a sickness, Family Business Review, 1996, pgs 347 – 368